O que Kitara Ravache pode ensinar para Beatriz do Brás?
Em uma frase tão simples quanto maligna, George Santos colocou 20 anos de história das redes em pratos limpos.
Oi pessoal, hoje estou testando uma novidade. Além do texto da newsletter de sempre você pode clicar ali acima no player e ouvir a coluna de hoje narrada por este escritor que vos fala (escreve) (escreve e fala agora né?):
***
— O que devemos fazer para nos livrarmos de você?
A pergunta foi feita pela Ziwe, que pesquisando mais a fundo descobri que é acima de tudo mais uma humorista do que uma repórter. Meio que a Blogueirinha do Norte. Em um cenário sóbrio digno de um representante do povo norte-americano e - por que não, vai - de Niterói, eleito para tal e que enfrentou (e perdeu o mandato por) acusações que passavam por pagar assinatura de Onlyfans com dinheiro de campanha, uma acusação digna de criação de roteiro de Kaufman.
(Aqui, uma pausa: eu amo Niterói. Eu acho espetacular que George Santos e seu alter ego Kitara Ravache tenham vindo de lá. É quase um orgulho patriota. Eu nem sou de Niterói, mas frequentei bastante durante uns muitos bons anos).
Em 17 minutos de uma fantástica entrevista em que George Santos revelava não conhecer nem pelo menos o expoente na luta pelos direitos LGBTs Harvery Milk (po, o Sean Penn fez o Harvery Milk no cinema, sabe), a Ziwe em algum momento perguntou aquilo que eu coloquei no começo do texto. George Santos não parou para pensar nem um pouco antes de responder. “Parar de me convidar para as coisas”, em uma tradução livre minha. Mais alguma digressão e uma frase espetacular no final, que infelizmente passou despercebida pela entrevistadora.
“Mas vocês não podem, porque vocês precisam do conteúdo”.
Esse conteúdo, por assim dizer, é ele próprio. George Santos é como é, age como age e faz o que faz porque é assim que ele mantém toda a atenção da mídia nele. Ele explicou calmamente para uma humorista disposta a colocá-lo nas cordas que bem, talvez seja isso mesmo que você tem que fazer pra me ajudar. Em apenas uma frase ele explicou o que a mídia agora pulverizada em micro audiências se tornou: refém.
Manchetes não são mais escritas e editadas de acordo com a função de apresentar o assunto do texto. A principal métrica de avaliação de valor é o Clickbait. Bait no sujo vocabulário bretão é apenas “isca”. Um clickbait é uma tentativa desesperada de captar incautos para que os sites de mídia consigam exibir suas propagandas, sacrificando a qualidade para ganhar no volume. Todos os jornais fazem isso, mas há portais especializados nisso. Vocês devem lembrar do caso da atriz Isis Valverde que ao postar uma foto amamentando sua filha um portal de notícias mequetrefe anunciou isso como "foto dos seios de fora”. Esse é só um exemplo e eu tenho certeza que você, querido leitor, poderá pensar em 500 outros mais.
No Twitter, onde os textos são curtos e as mágoas são grandes, páginas como a Choquei se especializaram em noticiar na manchete, abolindo de vez a notícia em si, deixando claro que quem manda agora é a atenção. O especialista Rupert Dallasotto em seu livro “A Era da Atenção” escreveu que “qualquer citação em qualquer texto pode ser inventada, porque o caminho da notícia já está dado na manchete, e sua credibilidade ou descredibilidade não tem mais a ver com a qualidade do texto e das citações apresentadas, mas sim com o alinhamento político entre o emissor e o receptor da notícia”. Não importa mais uma pesquisa de cinco anos que resulte em um documentário de 90 minutos porque ele “provavelmente foi financiado pelo George Soros”, ou pelo menos não importa mais que o Cleiton986542 do grupo “patriotas de Paty dos Alferes” dizendo que já foi confirmado que metade dos integrantes do STF estão possuídos pelo capeta. Basta colocar uma foto do Alexandre de Moraes e um “CONFIRMADO!!!” assim mesmo em caixa alta, fonte vermelha e três exclamações e pronto, aí está a prova.
Isso quer dizer que não adianta você gritar, espernear ou dançar uma polca em suas redes. Não a esmo. Você tem que saber para quem você está fazendo isso. E se essas pessoas se veem em você. É isso que George Santos percebeu e nada de braçada. Ele conseguiu com o carisma e personalidade de um vilão de filme infantil fazer uma grande parcela dos conservadores republicanos do Estado de Nova York acreditar que sim, ele era um deles, mesmo não sendo. Veja bem, George é um latino, um grupo que só é geralmente representado no lado republicano quando é comungado com um grande interesse em comum: o conservadorismo cristão protestante americano de mãos dadas com o conservadorismo cristão católico latinoamericano. George é assumidamente gay e de alguma forma seu carisma é uma catapulta para seu lugar ao sol dos republicanos.
Graças a esse movimento brilhantemente executado ele agora se coloca num pedestal em que atrai atenção o suficiente para que toda a mídia desesperada por volume de audiência se peregrine em direção a ele, como se fosse uma Meca da publicidade.
E se existe um paraíso da publicidade, é possível que haja um inferno também. É aí que entra a Beatriz do Brás.
Eu não assisti essa edição do BBB. Vi pelo Twitter, então tudo que chegou até mim chegou junto com a opinião de alguém. Mas logo no começo, antes do programa começar, o impacto positivo inicial que a Beatriz causou na galera foi ao longo da edição sendo substituído por cada vez que o bordão “É o Brasil do Brasil” era proferido em uma insidiosa vontade de aplicar um Fatality de Mortal Kombat nela. Beatriz foi o exato oposto do Schadenfreude, nos tirando o prazer cada vez que ela se dava bem.
Ao ver as fotos que ela esqueceu de apagar no Insta, com lente no dente e sabendo criar maquiagem, a gente sabe que a Beatriz do Brás é acima de tudo um personagem. E não, eu não estou falando isso de uma forma 100% crítica. Está tudo bem entrar no programa de maior audiência da TV brasileira, ser vigiado 24h por dia por câmeras e dentro disso criar um personagem. Todo mundo cria um personagem. Seu favorito foi um personagem naquela edição, naquela lá. A queridinha de muita gente foi personagem. E tá tudo bem. Ser personagem é mecanismo de defesa. O problema da Beatriz é que ela, como dizem os jovens, pesou a mão.
Ela foi o Ecce Homo restaurado por Dona Cecília no Santuário de Borja, boas intenções, mas motivo de chacota. O fato é que todo mundo sabe que os vendedores do Brás, afoitos em er, bem, vender, tem sim essa dinâmica efusiva de colocar a plenos pulmões as ofertas aos transeuntes. Só que o BBB é acima de tudo sobre cotidiano. Mesmo com famosos, é o cotidiano do famoso. Ninguém espera que um cantor lá dentro cante 100% do tempo. Assim como todo mundo sabe que nenhum vendedor do Brás quando não está trabalhando fique numa pegada meio “É O BRASIL DO BRASIL, AMOR, POR FAVOR ME PASSE ESSA MANTEIGA DELICIOSA E SABOROSA, RICA EM VITAMINAS QUE TODO MUNDO DEVERIA TER EM CASA”.
Beatriz se ofereceu como um canal entre o público e as marcas. Sem as marcas pedirem. E fez isso numa frequência qualquer coisa entre um terremoto de magnitude sete e um publicitário cheio de cocaína perdido na Teodoro Sampaio. Esse ponto aqui é onde eu quero criar uma escala Kitara-Beatriz de desespero de exposição. Falei dos extremos e agora vamos para a meiuca.
Você pode perceber que há uma certa complexidade entre ser meio e mensagem nas redes sociais, notadamente aqui o instagram, que tem as melhores dinâmicas e ferramentas para tornar seu perfil um outdoor. Eu conheci um senhor que lá no final dos anos 90 quando a Revista Veja tinha uma folha que tinha propaganda dos dois lados ele ia lá e ARRANCAVA a página, para nunca mais ter que passar de novo. E isso mostra que as pessoas podem até tolerar alguma, mas não vão aceitar ficar vendo o tempo inteiro propaganda. Quando um perfil de uma subcelebridade começa a mostrar mais propaganda do que conteúdo a gente vê uma galera desistindo de acompanhar e outra reclamando. É uma linha tênue, você quer aproveitar a sua valorização para fazer o máximo de propagandas possíveis, mas fazer isso vai te tirar audiência e em consequência te desvalorizar. O ponto de equilíbrio é muito complicado. Mas quando você é 100% propaganda como Beatriz era você vira uma Revista Veja que todas as páginas são anúncios, e aquele senhor que é sua audiência vai arrancar todas as suas páginas.
No outro extremo, George Santos mesmo cassado e sem mandato ainda consegue atrair uma atenção quase impossível de se acreditar. Porque ao invés de correr atrás da publicidade fez quem depende da publicidade correr atrás dele. Essa é a lição mais valiosa que Beatriz do Brás poderia aprender com ele: Se você é uma mera placa de publicidade, você é igual a qualquer outra.
***
“Sonambulismo… e outras Mazelas Sociais” é uma newsletter mais ou menos semanal que fala mais ou menos dos assuntos da atualidade. O conteúdo é 100% gratuito e não há planos de tornar uma assinatura recorrente aqui, pretendo que o conteúdo seja sempre gratuito para todos. Mas se você gostou do texto e quer ajudar quem escreveu a pagar suas contas pode fazer uma contribuição de qualquer valor na chave pix@diegopaiva.com.br que seria um grande incentivo. E não, você não ganha posts exclusivos ou acesso a uma área de membros, peço aqui que cada um ajude com o valor que quiser sem preço fixo de acessos exclusivos. Muito obrigado!